O que aprendi sobre perseverança na autoescola
Reprovar seis vezes em uma baliza sempre deixa alguma lição. A repórter da Administradores conta qual seria.
Perseverança: uma palavra repetida na Bíblia e nos livros motivacionais. Está na boca dos
exemplos mais inspiradores pelo mundo e também nos para-choques dos caminhões. Geralmente, o termo vem logo após um contratempo, como aquele suspiro de esperança em reverter algo. Mas a verdade é que ninguém quer falhar e, quando isso acontece com bastante frequência, a sensação de que não se está fazendo o suficiente se mistura com a de vergonha. Nessa hora, o velho “continue tentando” começa a aparentar um conselho inútil.
E o fracasso pode vir em diferentes formas, dimensões e épocas. Pode ser desde aquele colega que já tentou cinco vezes passar em um concurso público, a amiga que trava uma luta (real) contra a balança ou até quem tenta abrir um negócio e se depara com mil barreiras. Os práticos dirão: quer passar na prova, estude; quer emagrecer, faça uma dieta; quer abrir um negócio, invista. Mas até eles sabem que nem sempre é tão fácil assim. Todo mundo já se sentiu mal por não ter conseguido algo aparentemente simples. E quem reprovou na autoescola seis vezes, assim como eu, pode dizer isso com propriedade.
Comecei a saga assim que completei 18 anos e com certa dose de arrogância: tirar a carteira de habilitação seria muito fácil, qualquer um consegue e em três meses estaria dirigindo pela orla sentindo o vento balançando meus cabelos. Mal podia esperar para dizer adeus aos cobradores, paradas de ônibus e aos funkeiros sem fone de ouvido. Bem, quatro anos depois, o único balanço que eu senti foi o sacudir da condução.
Falhei logo na primeira prova. O psicotécnico, que deveria ter sido o mais fácil, foi apenas um prenúncio do que ainda estava por vir. Não entendi o porquê da reprovação, também não questionei, apenas fiz outra. Assisti com afinco a todas as aulas teóricas e (teoricamente) aprendi sobre mecânica, leis de trânsito e direção defensiva, o suficiente para atravessar a segunda fase.
Chegando a terceira etapa paguei 14 aulas práticas, que segundo a autoescola, seriam suficientes. Sandro, meu instrutor, me buscaria pelas manhãs para treinarmos os três desafios da prova do Detran: meia-embreagem, baliza e, por fim, garagem. Lembro que na época, não paravam de repetir para mim que na hora da prova, se não obedecesse a placa PARE, a reprovação era automática. Fácil! Não ia esquecer isso. Estava empolgada e aparentemente nada poderia dar errado. Aparentemente.
Logo no primeiro dia entrei em uma via errada no campinho e dei uma batidinha, de leve, em outro carro da autoescola. Eu devia ter captado o sinal, aquilo não poderia acabar bem. As 14 aulas foram
um desastre. Eu não tinha dimensão da baliza e meu cérebro ainda não entendia qual era o mistério
que envolvia o ato de estancar. Foi assim que enfrentei a primeira prova e como já adiantei no início, não passei.
Reprovação é uma palavra muito feia. As pessoas deveriam usar algo mais sutil como um karaokê: tente outra vez ou você está quase lá. O tempo passava enquanto continuava batendo na baliza. Quando finalmente consegui vencê-la, fui cegada por uma felicidade tão grande que não vi a placa do pare. Lá pela quarta vez, já tinha amizades pelo Departamento de Trânsito: o vendedor de água de coco dizia: força, querida. Seu Inácio, responsável por conferir os documentos, se tornou o melhor coach que já conheci – o homem tinha uma fé inabalável. Ele costumava me surpreender com comentários do tipo: “da última vez que você veio aqui estava mais gordinha. Emagreceu. Parabéns!” ou “sabe aquele livro Nunca desista dos seus sonhos, você deveria ler, vai te ajudar”.
Pois é, amigos leitores, a essa altura eu já tinha virado caso de livro de autoajuda, pior, caso de Augusto Cury. A torcida era boa e contagiante como um pênalti de Copa do Mundo, mas não era o suficiente. Cada reteste me colocava para pensar “dirigir não é para mim”.
Céticos diziam que faltava apenas um pouco de prática. O que precisava mesmo era treinar fora da autoescola, com alguém paciente e em uma rua não muito movimentada. Resolvi fazer isso no carro da minha mãe e bati numa SW4 que cruzava a rua. Um conselho de direção defensiva que você nunca receberá na autoescola: sempre fuja de carros maiores que o seu.
O certo e o errado
O campo de batalha já estava me cansando financeiramente (já que o reteste custava R$ 120 e eu ainda precisava pagar novas aulas), fisicamente (quem não se sente cansado em tentar demais?!) e psicologicamente (se algumas pessoas eram motivadoras, outras só achavam uma grande piada). Então, aparece um instrutor da autoescola (que não era Sandro), oferecendo a carteira por meio de um “esquema” em troca de uma quantia, que ele chamava de um jeito malandro: “a importância”. Segundo ele, eu deveria reprovar na pista e - um amigo responsável por fazer as carteiras dentro do Detran - criaria a minha em um passe de mágica.
Situações desesperadas pedem medidas desesperadas? Nem sempre. Eu, pelo menos, não ia
aceitar entrar nesse esquema. E olha que se tivesse aceitado poderia nem estar contado essa história para vocês. No outro dia uma operação da polícia prendeu trinta pessoas envolvidas em um esquema de venda de carteiras. A lição permaneceu: tentar vencer algo na falcatrua nunca é uma boa opção.
Passado um ano de tentativas frustradas, não consegui tirar a carteira e perdi o processo. Senti-me mal, mas conheci outras pessoas na mesma situação, o que não deveria ajudar, mas ajuda. Sobraram, na verdade, duas escolhas que não faltam defensores para ambos os lados, principalmente, na Administração: “não desistir”, ou “abandonar a ideia e procurar um
novo caminho”. Já fiz a minha escolha.
Utilizo o transporte público, mas desistir de tirar a carteira não consta nos meus planos, assim como não pretendo deixar qualquer objetivo de lado diante das dificuldades. Das questões mais simples aos problemas mais sérios é preciso ter em mente que a decepção de fracassar é uma sensação que passa tão rápido quanto a euforia de ser bem sucedido. Novos desafios sempre tomam o espaço dos resultados passados e quanto maior a dificuldade, melhor o sabor da vitória.
Ainda neste semestre marcarei a próxima prova (a sétima). Quem sabe, em uma próxima oportunidade (e logo), poderei contar para vocês a história do que passei para tirar a carteira de motorista. Afinal, descobri que é a perseverança a última que morre.
Essa matéria foi publicada originalmente em Abril e desde então, eu recebi diversos e-mails e mensagens de pessoas contando histórias parecidas com a minha. Muitas contam que apesar de terem tirado a habilitação, não conseguem dirigir. Outras, perguntam se eu já consegui e ainda existem aqueles que só querem dividir outros problemas, como não passar no vestibular. Para todas elas, eu escrevo aqui uma resposta: Sim, após oito tentativas, neste dia 21 de novembro, eu tirei minha carta de alforria e comemorei ao som de “We are the champions”. Meu conselho para aqueles que se sentem frustrados continua sendo nunca percam o bom humor e tentem até o fim. Abraços!
Texto publicado originalmente na edição 20 da revista Administradores
Última atualização em 30/12/2013 22:01:58